terça-feira, 4 de maio de 2010

Por um novo Sertão.

José Jonas Duarte da Costa

Aos: governantes de hoje e do futuro

Escrevo neste momento, com a preocupação dos que vivem e estudam o nosso Grande Sertão, que em nossa Paraíba se alastra por cariris, seridós, curimataús, borboremas e vários sertões. Falo com a franqueza dos que lutam pelo desenvolvimento dessas terras e, sobretudo, do seu povo. Não tenho nenhum interesse pessoal ou de qualquer monta, apenas de colaborar modestamente, com algum conhecimento adquirido na vida, na vivência naqueles meus torrões e na academia, para que se desenvolvam políticas públicas em nosso semiárido que contribuam no soerguimento econômico e sociocultural daquelas populações.
Meus amigos, o que te escrevo a seguir tem inspiração no nosso mestre comum Celso Furtado; no grande médico e “geógrafo” pernambucano Josué de Castro e no mineiro nordestinado José Guimarães Duque, mestre de Celso Furtado e indiretamente meu. Também me aproprio das grandes lições de Chico de Oliveira e Tânia Bacellar.
O princípio básico é de valorização do semiárido. Confrontamo-nos hoje com àqueles que teimam em considerar o semiárido uma terra pobre, inóspita, inviável. Àqueles que assim pensam a história tem condenado. Nossas terras são boas, ricas e prontas para nela se erguer uma civilização de prosperidade e dignidade. Se há mazelas, pobrezas, “atrasos”, em nossa consciência não cabe a idéia de culpar o lugar, o solo, a vegetação ou o clima. Consideramos, assim como Furtado, que as estrutura produtivas ali erguidas se mostraram incompatíveis com o clima, com o solo e, sobretudo, com as potencialidades inerentes àquelas terras; além do que e principalmente, em minha opinião, foram estruturas econômicas erguidas sobre as raízes da desigualdade e injustiça, inaceitáveis e incabíveis para os tempos de hoje. A concentração fundiária e de riquezas; a absoluta ausência do Estado no atendimento à saúde, educação e noutros setores fundamentais da vida social implicaram pobrezas, misérias, emigrações, ignorâncias, desajustes sociais, etc.
Sou de opinião que, nunca a humanidade reuniu tantas condições para viabilizar a dignidade sobre a terra. Do ponto de vista científico e tecnológico; do ponto de vista de conhecimento sobre os movimentos da natureza, suas necessidades e capacidades; enfim, dispomos hoje do que o professor Milton Santos chamava de condições objetivas ideais para edificar uma civilização de dignidade e prosperidade em harmonia entre os humanos e com a natureza. É necessário, entretanto, de disposição política; de compromissos com os interesses mais nobres da humanidade, em detrimento de ambições pessoais e de classe, que amesquinham e amesquinharam seres humanos; que apequenam quem detém o poder político.
Infelizmente, e acho que essa verdade se evidencia cada vez mais límpida, sob o modo de produção e organização social na qual se monta a sociedade brasileira a transformação dessa realidade está distante.
No entanto, quem tem poder pode. Pode alterar rumos, construir novos caminhos. Como diz o poeta: o caminhante faz o caminho.
Interpretando os clássicos, que eu e vários estudiosos da questão regional tivemos o privilégio de estudar, percebemos que ao nosso semiárido foi dado o papel de “expelir gente”; de produzir braços para o desenvolvimento industrial brasileiro, em sua lógica agroexportadora ou de substituição de importações. Na divisão nacional do trabalho, arranjada pelo processo de desenvolvimento desigual e combinado da formação econômica brasileira, fomos a geradora de músculos e habilidades à industrialização nacional. Como “paga” desse esforço regional, recebemos os restos, o vazio do “progresso econômico”, ou as sobras de um “modelo”. Viramos a outra face, a parte atrasada de uma mesma moeda. Também fundamos o regionalismo nordestino, tão bem apreciado pela nossa colega/guru, Rosa Godoy.
É fundamental, nos dias atuais, que todo planejamento tenha como centralidade o que chamamos de “desenvolvimento sustentável” (embora pessoalmente considere que esse termo precisa ser adjetivado, pois por si só, não diz absolutamente nada). Entendendo-o como um sistema de atividades que se mostre economicamente viável, socialmente justo (aí vai meu juízo de valor sobre justiça social – isto é: não permitir concentração de rendas e espoliação do trabalho e dos trabalhadores) e equilíbrio ambiental (essa uma questão fundamental para o nosso semiárido). Dito de outra forma: não faz sentido a promoção de sistemas produtivos que estimulem à concentração de rendas, a desigualdade social e/ou desequilíbrios ambientais.
O semiárido, nosso grande sertão e os sertanejos, são hoje vítimas de equívocos históricos, reproduzidos anos a fio. Como resultado temos uma região que já expulsou milhões de pessoas, jogou na miséria outros tantos, guarda altíssimos índices de analfabetos e mantém os piores Índices de Desenvolvimento Humano do país. Além disso, em particular, guardamos os mais graves problemas ambientais do Brasil hoje. Basta dizer que, segundo a ONU e o Instituto DESERT/UFPI, a Paraíba tem 68% do seu território semiárido em alto ou muito alto grau de desertificação. Longe de ser alarmismo, essa realidade nos compele a pensar com prudência, racionalidade e compromissos com gerações futuras. O pesquisador do CNPq, especialista em desertificação, professor da UFCG, professor Marx Prestes, afirma que em sua totalidade essa situação de gravidade é resultado da ação antrópica. Diz mais: a organização social a que foi e mantém-se submetida o semiárido brasileiro e em especial o paraibano poderá levar a, no máximo 40 anos, a condição de deserto. Pesquisadores de diversas áreas e instituições apontam que, em média, os solos do semiárido detêm hoje apenas 60% da fertilidade de 50 anos atrás, antes das políticas públicas desenvolvidas naquelas áreas pela Ditadura Militar, como “modernização”, para não dizer destruição do semi-árido. Ou seja, a “modernização” a que foi submetido o nosso sertão, empobreceu populações, expulsou gente e degenerou nossa natureza. Por isso as políticas públicas pensadas para essa região precisam ser noutra direção, noutro sentido. No sentido da promoção humana e da recuperação ambiental.
No semi-árido paraibano, a experiência recente e a análise apurada de alguns aspectos do que vimos e estudamos nos anima bastante. Nessa direção, indicamos a seguir algumas idéias/princípios que, em nossa visão, são fundamentais às futuras políticas públicas a serem desenvolvidas para o semiárido. Essas requerem apenas vontade política e um pouco de coragem de enfrentar oligarquias e mercenários da miséria alheia que ao longo dos anos se locupletam em nossos sertões. A rigor, sequer necessitaria de um rompimento abrupto com a ordem vigente, embora não deixe de ser o horizonte inevitável.
Precisa-se compreender o semiárido como uma região com especificidades, algumas muito positivas, outras nem tanto.
Salientamos como questão precípua que, qualquer política pública a ser desenvolvida no semiárido paraibano deve partir da experiência real existente, do acúmulo popular histórico e do conhecimento popular sobre a região e, sobretudo, das organizações populares atuantes nos nossos sertões; de forma que se pratique uma democracia viva, ativa e participativa.
É fundamental assegurar a participação organizada das classes trabalhadoras sertanejas, dos produtores diretos, camponeses, meeiros, arrendatários, etc., com os seus diversos instrumentos de organização ali presentes há várias décadas sem serem ouvidos ou sem acesso à participação em fóruns de decisão. A partir desse princípio político basear-se em conhecimentos científicos, técnicas e tecnologias abundantes no semiárido para aplicar-se com o objetivo da promoção do desenvolvimento humano.
Nesse sentido apontamos, a seguir, alguns tópicos que consideramos importantes a serem considerados quando de um planejamento de políticas públicas para o semiárido. Apresentamos sugestões estritamente para os pequenos produtores.

1. A base de qualquer política pública para o semiárido é a reforma agrária que democratize o acesso a terra e a água.
2. O apoio irrestrito aos programas de educação, saúde e assistência técnica desenvolvidos pelos movimentos sociais do campo nos seus assentamentos e para os pequenos agricultores.
3. Garantir a aquisição da produção agrícola advinda do campesinato, assentado ou não, a preços vantajosos que compensem a atividade econômica no campo.
4. Integrar as diversas bacias hídricas e mananciais que cortam o imenso semiárido, no sentido de assegurar aos sítios urbanos de tamanho pequeno, médio ou grande o pleno abastecimento de água.
5. Desenvolver política de educação contextualizada a realidade do semiárido para desenvolver uma geração integrada a realidade daquela área.
6. O semiárido brasileiro apresenta grande diversidade climática, de relevo e solos, de vegetação, etc. Dessa forma é muito importante seguir o zoneamento produtivo já estruturado pelas diversas agências e organizações que atuam nessa área para nortear possíveis arranjos produtivos sejam nas áreas rurais ou urbanas;
7. No semiárido é fundamental a estocagem de água e alimentos. De forma que se faça com um caráter distributivo, socializante, não concentrador – excludente. Neste sentido é basilar o uso de técnicas de armazenagem de água e alimentos acessíveis às populações mais pobres, otimizando os benefícios das chuvas, mesmo que seja num período muito curto de “inverno”, para se estocar água e alimentos (para humanos e/ou animais) para seu uso no período de estiagem.
• As técnicas e tecnologias de estoque de água e alimento disponíveis e acessíveis hoje são muitas e de conhecimento bastante difundido. Abaixo citamos algumas, a ser aplicada de acordo com as condições geomorfológica do lugar.
• Para estocar água:
1. Cisternas de placas;
2. Barragens subterrâneas com poços;
3. Cisternas Calçadões;
4. Tanques de pedras;
5. Poços artesianos – Dessalinizadores
6. Mandalla
7. Outras técnicas disponíveis a partir de instituições como a ASA – Articulação do Semi-árido
• Para estocar alimentos
1. Silagem;
2. Fenagem.

Obs – Existem inúmeras técnicas desenvolvidas e experimentadas por órgãos públicos como EMBRAPA, EMATER, EMEPA, além de inúmeras técnicas desenvolvidas por ONG’s. No entanto, caso não haja um trabalho político de motivação, organização social e conscientização, não se consegue estruturar alterações de rumo social.

8. Políticas publicas de fortalecimento da Agricultura, valorizando as nossa tradicionais e boas sementes crioulas, adaptadas ao nosso clima e ao nosso regime pluviométrico. Estas podem e devem ser recuperadas e difundidas em áreas do nosso semi-árido que os estudos atuais apontam como propício para tal. Nesse caso em consonância com as demarcações populares e cientificas, apontadas pelos especialistas.
9. Na grande área do semiárido propício à pecuária deve-se estimular a criação de pequeno porte (Caprinocultura de leite e de corte, ovinocultura de corte; avicultura – galinha caipira, codorna, emas; apicultura – abelhas nativas, sem ferrões, devem ser priorizadas visto sua superioridade na qualidade do mel, sua docilidade e, portanto, facilidade no manejo; além de seu valor comercial. Cometemos o crime de praticamente extinguir as abelhas nativas de nossa flora caatingueira, um dos maiores patrimônios naturais do Planeta. Urge trabalhar e estimular sua recuperação e difusão.
10. Política para assentamentos rurais no semi-árido. Um dos problemas cruciais dos nossos assentamentos rurais no semi-árido é que os assentados são “jogados” na terra sem lhes darem as condições necessárias para viabilizar a posse dessas terras. Dessa forma, muito deles se utilizam da madeira existente nessas áreas desapropriadas para dela retirarem seu sustento, virando também um problema ambiental. Por isso é necessário nos assentamentos criar agroindústria, compatível com as potencialidades de cada lugar, além disso, essas agroindústrias precisam ter um nicho de mercado assegurado pelo estado. Dessa forma pode-se fechar um ciclo virtuoso, onde de um lado se produz gerando rendas de forma distributiva e na outra ponta se abastece comunidades, escolas, ou outras instituições, suprindo necessidades.
11. Para a pequena produção difusa do semi-árido. As políticas públicas devem estimular a organização social, em Cooperativas que tenham caráter integracionista e também estimular a criação de agroindústrias com nichos de mercado assegurados pelo Governo.

2 comentários:

  1. Muito bom professor! Não sabia que o senhor tinha um blog.
    Realmente é preciso que o Estado esteja a serviço da classe trabalhadora(o povo) para tornar possível a implementação dessas políticas públicas para salvar o que resta do semi-árido.

    victor

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  2. Olá professor!gostaria muito de tirar uma duvida em um texto de sua autoria em uma outra ocasião. como faço pra lhe enviar um e-mail?
    Aguardo resposta Atenciosamente.

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