terça-feira, 11 de maio de 2010

Carta ao Libertador - Leandro Vilar

Carta ao Libertador

Por muito tempo estas terras
Foram exploradas
O sangue do negro e do índio
Derramava sobre o chão

O chicote de seus senhores os fustigavam
Do além-mar eles vieram
Como deuses foram tidos
Mas, no fim se tornaram demônios

Ouro e prata arrancaram aos montes
Do ventre desta rica terra
E para trás deixaram a peste

A peste ceifou a vida de muitos
As armas tiraram as vidas de outros
E cavalos se tornaram bestas

Por muito tempo o povo se viu oprimido
Os senhores queriam cada vez mais e mais
A ganância destes homens os fazia
Atravessarem os mares atrás de riqueza

De terras antes livres
Tornaram-se terras escravas
O povo se tornou escravo dos reis da Europa

Basta! De tanta hipocrisia!
Basta! De tanta crueldade!
Basta! De tanta ignorância!

Homens! Unimo-nos!
Peguem suas armas!
Ergam a bandeira da Liberdade!
Que o vento faça a bandeira da Liberdade
Tremular pelos quatro cantos

Gritem povo! Gritem!
Que nosso grito de cólera
Atravesse florestas, montanhas e rios
Que atravesse os oceanos

E chegue aos ouvidos dos soberbos reis
Sentados em seus tronos dourados
Feitos do ouro usurpado das Américas

Marchemos para batalha
O Libertador nos aguarda
O povo cansou de sofrer

Derrubem os senhores de seus cavalos
Que os ponham de joelhos ao chão
Que nossa cólera abale os pilares
Do Antigo Regime
Que os faça ruir
Que uma nova era seja instaurada

Homens! O Libertador nos lidera
Seguimo-nos!
Que a grande república seja construída
Que as colônias se tornem livres
De suas metrópoles opressoras


Povo!
Lutemos por nossa pátria!
Lutemos por nossas famílias!
Lutemos por nosso futuro!
Lutemos por nossos filhos!
Lutemos pela nossa Independência!

A terra antes lavada pelo sangue
De nosso povo castigado
Seja honrada com a morte daqueles
Que aqui lutaram para libertá-la

A liberdade!

Leandro Vilar

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Por um Socialismo Latino-americano no Século XXI - Michael Löwy

Por um Socialismo Latino-americano no Século XXI

As organizações de esquerda precisam processar a fusão do pensamento marxista com as características particulares do povo da América Latina para promover a construção do socialismo do século XXI. Para isso, é preciso incorporar as experiências dos diversos movimentos sociais, em especial o indígena e o camponês, protagonistas nas lutas sociais na região.
A análise é do professor Michael Löwy, cientista social brasileiro radicado na França, onde leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris. “O motor da mudança passa por baixo, por movimentos sociais e correntes políticas capazes de exprimir essa radicalidade”, explica o professor.
Segundo Löwy, a esquerda precisa encontrar o ponto de convergência entre as mobilizações camponesas, indígenas e o movimento urbano explosivo para atacar o capitalismo. “Socialistas e marxistas precisam pegar a bandeira do socialismo do século 21 e levar para o debate da esquerda e dos movimentos sociais”.

Qual a trajetória do pensamento de esquerda na América Latina no século 20?
Michael Löwy - O primeiro período revolucionário foi nos anos 20 e 30, quando aparecem pensadores como José Carlos Mariátegui e Julio Antonio Mella. Também aconteceram levantes na Nicarágua, em El Salvador e no Brasil. A partir dos anos 30, passa a predominar o stalinismo burocrático e o reformismo, que já não sendo mais revolucionários, conduziram a esquerda latino-americana a um impasse. Até que acontece a Revolução Cubana em 1959, inaugurando uma nova época revolucionária. Daí surgem uma série de movimentos de luta, guerrilhas e mobilizações sob a influência do exemplo de Cuba e do pensamento de Che Guevara. Esse período termina com a derrota dos sandinistas, na Nicarágua, em 1990. O impacto da revolução cubana, por outro lado, ainda persiste de maneira menos evidente na cultura política que surge das lutas sociais.

Em vários países foram eleitos presidentes com origem na esquerda. Como o professor vê esse novo quadro?
ML - Muitas vezes quando discutimos a América Latina, vamos para o lado dos governos de esquerda. É um aspecto importante, mas não podemos nos limitar a isso. Nos últimos 10 anos, aconteceram uma série de vitórias políticas da esquerda (no sentido bem geral da palavra) na região. Examinando mais de perto o fenômeno, vemos duas vertentes. Uma de ruptura ao neoliberalismo, como a revolução bolivariana, na Venezuela; o processo na Bolívia e em Cuba. Forma-se um eixo antiimperialista, que busca romper com o neoliberalismo. A outra vertente é formada por governos que não romperam com o modelo econômico, mas que procuram dar uma variante mais social, o que chamo de social-liberalismo. Neste quadro estão o presidente Lula, no Brasil, Tabaré Vázquez, no Uruguai, Michele Bachelet, no Chile, e Néstor Kirchner, na Argentina. Não são governos da direita neoliberal, mas não enfrentam esse modelo. Dentro do campo do social-liberalismo, tem uma vertente mais aberta ao livre comércio, aceitando as idéias dos tratados comerciais dos Estados Unidos, como o governo chileno e, em parte, o uruguaio. O outro setor aposta na integração latino-americana, como Brasil e Argentina. Os governos à esquerda ganharam porque há um descontentamento social enorme na região. Os 20 anos de políticas neoliberais do Banco Mundial e do FMI (Fundo Monetário Internacional) tiveram conseqüências sociais catastróficas para a maioria da população. Foram agravadas as desigualdades sociais e as conseqüências ecológicas foram dramáticas.

Nesse contexto, como você avalia a atuação desses governos?
ML - Os governos geralmente correspondem pouco à ânsia de mudanças radicais, com exceção da Venezuela e Bolívia. A esperança de mudanças não pode esperar o cumprimento de suas promessas. Não podemos apostar na existência de disputas internas que mudem a correlação de forças dos governos. A mudança passa mesmo pela capacidade dos setores populares se organizarem e lutarem para mudar o quadro. Isso vale para todos os países, inclusive para os mais avançados. A Venezuela, por exemplo, passa por um processo muito interessante, mas é excessivamente dependente de uma pessoa, no caso, Hugo Chávez, e de iniciativas que acontecem de cima para baixo.

O que a esquerda latino-americana precisa fazer para efetuar as transformações sociais na região?
ML - A mudança depende da auto-organização popular, social e política. É importante ter expressões políticas, partidos e correntes partidárias radicais de esquerda. Os partidos devem ser a expressão dos movimentos populares, e não manipuladores eleitorais. O motor da mudança passa por baixo, por organizações sociais e correntes políticas capazes de exprimir essa radicalidade. Nos últimos 20 anos, o movimento camponês e indígena tem sido o mais ativo, combativo e radical. É o mais importante na América Latina. Isso vale para Brasil, México, Equador, Bolívia (em parte, porque há uma convergência de urbano e rural). Com exceção da Argentina, onde o motor das lutas é a população urbana pobre; da Venezuela, que tem a população pobre da periferia urbana saindo às ruas para apoiar Chávez; e agora tem Oaxaca, no México.

É comum algumas organizações de esquerda usarem as lutas sociais para justificar suas linhas de pensamento e doutrina. Como podemos analisar o quadro político e social sem resumir experiências particulares a modelos europeus pré-concebidos?
ML - Boa parte da esquerda latino-americana ainda pensa com base em modelos como o leninista, maoísta ou trotskista. Temos muito a aprender com o pensamento marxista europeu e asiático. O marxismo e o socialismo são universais. O arroz, por exemplo, é o mesmo em todos os países, mas cada povo tem a sua maneira de prepará-lo. O arroz socialista deve ser preparado aqui na América Latina, da nossa maneira e com nossos temperos afro-indígenas. O desafio é não cair na idéia de socialismo nacional nem pensar que está tudo nas obras de Marx, Lênin ou Trotski. Precisamos ter a humildade de aprender com as experiências de lutas sociais. Não podemos impor o nosso esquema e enquadrar os movimentos.

Se os camponeses e indígenas, que não estão no centro da produção do capital, são os protagonistas políticos, como fica o marxismo latino-americano?
ML - O marxismo é formidável, mas precisa ser atualizado e ‘latino-americanizado’. É preciso dar conta da importância dos camponeses. Não só de agora, mas desde o começo do século passado. Os pensadores que trataram de aplicar o método marxista de forma criativa na região se deram conta que o campesinato tem um papel muito mais importante do que na Europa ou até do que imaginava Marx. É preciso ler de maneira diferente da forma clássica da esquerda, baseada no operariado da fábrica urbana. Como o capitalismo funciona a partir da produção e da indústria, os operários podem parar as máquinas. Isso é importante, mas não é suficiente para derrubar um sistema. O capitalismo é um sistema político, social e econômico que só se derruba com uma ação revolucionária. Para isso, é preciso ter a maioria da população, que não é formada por operários fabris, mas por camponeses e massa pobre urbana. Apesar da sua importância, a idéia da revolução como tarefa da classe operária e industrial nunca correspondeu à realidade, muito menos na América Latina. Precisamos ter uma visão ampla do sujeito do processo revolucionário. O capitalismo sempre pode dar a volta por cima enquanto controlar o aparelho de Estado e a hegemonia. É preciso quebrar a hegemonia ideológica e o controle político do capital.


Em meio aos movimentos camponeses e indígenas e as revoltas urbanas explosivas, qual o desafio para a esquerda para resistir ao neoliberalismo?
ML - O desafio é encontrar o ponto de convergência das mobilizações camponesas e indígenas com o movimento urbano explosivo que está aparecendo, em torno de um combate comum: o rompimento da hegemonia neoliberal e imperialista. E também para buscar alternativas. Se nós queremos ser radicais, precisamos atacar pela raiz o mal do neoliberalismo, da dominação, da dependência e da pobreza. Em última análise, a raiz é o capitalismo. Essa compreensão pouco a pouco vai se desenvolvendo em terras latinas. Se o problema é buscar uma alternativa ao capitalismo, se coloca novamente a questão do socialismo. Socialistas e marxistas precisam pegar a bandeira do socialismo do século 21 e levar para o debate da esquerda e dos movimentos sociais. Temos que colocar a perspectiva do socialismo, sabendo que não virá amanhã, mas como uma forma de alimentar as nossas lutas atuais, que são bastante concretas e imediatas.

Como o professor vê a idéia do socialismo do século 21 no contexto latino-americano?
ML - O desafio colocado por Chávez de pensar o socialismo do século 21 é muito rico. Precisamos lembrar das idéias de Mariátegui do socialismo indo-americano, que eu chamaria de afro-indo-americano. O socialismo não será cópia de outras experiências, mas uma criação heróica dos povos. Precisamos fazer um balanço crítico tanto da social-democracia como dos países do leste europeu. O socialismo do século 21 só tem futuro se incorporar as experiências dos movimentos sociais, indígenas, camponeses, negros, mulheres e ambientalistas. Por aí passa a utopia revolucionária latino-americana.

A América Latina seria o terreno mais fértil para a construção de um novo socialismo?
ML - Não conheço suficientemente a experiência dos movimentos sociais na África e na Ásia, mas a América Latina parece a ponta avançada desse processo. Só que não se pode esquecer o resto do mundo: é preciso ser uma locomotiva para puxar outros vagões. É importante construir pontes entre lutas sociais e movimentos de esquerda aqui, na Europa, na África e na Ásia. O imperialismo e o capitalismo são um sistema mundial. O Fórum Social Mundial e a Via Campesina são um passo importante, mas a esquerda mais radical e antiliberal precisa construir outros espaços. Há poucas experiências de discussão, relacionamento e entrosamento da esquerda a nível internacional.

Como o professor vê a conjugação dos movimentos sociais com luta ambiental para a construção da hegemonia política?
ML - A questão ecológica e ambiental é o grande desafio para o marxismo no século 21. É um dos problemas centrais no qual se revela o caráter ameaçador do capitalismo para a existência da humanidade. É um dos grandes argumentos do anti-capitalismo. A questão do meio ambiente está passando cada vez mais das margens para o centro do debate político. Podemos mostrar que isso não depende de boa ou má vontade dos capitalistas, mas a destruição do equilíbrio ecológico do planeta é da própria lógica expansionista de acumulação do capital. Os marxistas, socialistas e movimentos sociais têm que tomar a questão como uma bandeira fundamental. É muito positivo o MST assumir cada vez mais a questão ecológica. A luta contra os transgênicos e contra os eucaliptos permite uma convergência do movimento camponês, ambientalista e a opinião pública. Isso reforça as mobilizações. Ou o socialismo vai ser verde e ambientalista ou não vai conseguir avançar. A destruição do ambiente pelo capitalismo não é apenas um problema das gerações futuras, mas de quem vive hoje. É preciso colocar isso no centro da reflexão do pensamento socialista.

Michael Löwy é cientista social brasileiro radicado há quatro décadas na França. Leciona na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, da Universidade de Paris. Nascido em 1938, é especialista em Karl Marx, Rosa Luxemburgo e Georg Lukács.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Por um novo Sertão.

José Jonas Duarte da Costa

Aos: governantes de hoje e do futuro

Escrevo neste momento, com a preocupação dos que vivem e estudam o nosso Grande Sertão, que em nossa Paraíba se alastra por cariris, seridós, curimataús, borboremas e vários sertões. Falo com a franqueza dos que lutam pelo desenvolvimento dessas terras e, sobretudo, do seu povo. Não tenho nenhum interesse pessoal ou de qualquer monta, apenas de colaborar modestamente, com algum conhecimento adquirido na vida, na vivência naqueles meus torrões e na academia, para que se desenvolvam políticas públicas em nosso semiárido que contribuam no soerguimento econômico e sociocultural daquelas populações.
Meus amigos, o que te escrevo a seguir tem inspiração no nosso mestre comum Celso Furtado; no grande médico e “geógrafo” pernambucano Josué de Castro e no mineiro nordestinado José Guimarães Duque, mestre de Celso Furtado e indiretamente meu. Também me aproprio das grandes lições de Chico de Oliveira e Tânia Bacellar.
O princípio básico é de valorização do semiárido. Confrontamo-nos hoje com àqueles que teimam em considerar o semiárido uma terra pobre, inóspita, inviável. Àqueles que assim pensam a história tem condenado. Nossas terras são boas, ricas e prontas para nela se erguer uma civilização de prosperidade e dignidade. Se há mazelas, pobrezas, “atrasos”, em nossa consciência não cabe a idéia de culpar o lugar, o solo, a vegetação ou o clima. Consideramos, assim como Furtado, que as estrutura produtivas ali erguidas se mostraram incompatíveis com o clima, com o solo e, sobretudo, com as potencialidades inerentes àquelas terras; além do que e principalmente, em minha opinião, foram estruturas econômicas erguidas sobre as raízes da desigualdade e injustiça, inaceitáveis e incabíveis para os tempos de hoje. A concentração fundiária e de riquezas; a absoluta ausência do Estado no atendimento à saúde, educação e noutros setores fundamentais da vida social implicaram pobrezas, misérias, emigrações, ignorâncias, desajustes sociais, etc.
Sou de opinião que, nunca a humanidade reuniu tantas condições para viabilizar a dignidade sobre a terra. Do ponto de vista científico e tecnológico; do ponto de vista de conhecimento sobre os movimentos da natureza, suas necessidades e capacidades; enfim, dispomos hoje do que o professor Milton Santos chamava de condições objetivas ideais para edificar uma civilização de dignidade e prosperidade em harmonia entre os humanos e com a natureza. É necessário, entretanto, de disposição política; de compromissos com os interesses mais nobres da humanidade, em detrimento de ambições pessoais e de classe, que amesquinham e amesquinharam seres humanos; que apequenam quem detém o poder político.
Infelizmente, e acho que essa verdade se evidencia cada vez mais límpida, sob o modo de produção e organização social na qual se monta a sociedade brasileira a transformação dessa realidade está distante.
No entanto, quem tem poder pode. Pode alterar rumos, construir novos caminhos. Como diz o poeta: o caminhante faz o caminho.
Interpretando os clássicos, que eu e vários estudiosos da questão regional tivemos o privilégio de estudar, percebemos que ao nosso semiárido foi dado o papel de “expelir gente”; de produzir braços para o desenvolvimento industrial brasileiro, em sua lógica agroexportadora ou de substituição de importações. Na divisão nacional do trabalho, arranjada pelo processo de desenvolvimento desigual e combinado da formação econômica brasileira, fomos a geradora de músculos e habilidades à industrialização nacional. Como “paga” desse esforço regional, recebemos os restos, o vazio do “progresso econômico”, ou as sobras de um “modelo”. Viramos a outra face, a parte atrasada de uma mesma moeda. Também fundamos o regionalismo nordestino, tão bem apreciado pela nossa colega/guru, Rosa Godoy.
É fundamental, nos dias atuais, que todo planejamento tenha como centralidade o que chamamos de “desenvolvimento sustentável” (embora pessoalmente considere que esse termo precisa ser adjetivado, pois por si só, não diz absolutamente nada). Entendendo-o como um sistema de atividades que se mostre economicamente viável, socialmente justo (aí vai meu juízo de valor sobre justiça social – isto é: não permitir concentração de rendas e espoliação do trabalho e dos trabalhadores) e equilíbrio ambiental (essa uma questão fundamental para o nosso semiárido). Dito de outra forma: não faz sentido a promoção de sistemas produtivos que estimulem à concentração de rendas, a desigualdade social e/ou desequilíbrios ambientais.
O semiárido, nosso grande sertão e os sertanejos, são hoje vítimas de equívocos históricos, reproduzidos anos a fio. Como resultado temos uma região que já expulsou milhões de pessoas, jogou na miséria outros tantos, guarda altíssimos índices de analfabetos e mantém os piores Índices de Desenvolvimento Humano do país. Além disso, em particular, guardamos os mais graves problemas ambientais do Brasil hoje. Basta dizer que, segundo a ONU e o Instituto DESERT/UFPI, a Paraíba tem 68% do seu território semiárido em alto ou muito alto grau de desertificação. Longe de ser alarmismo, essa realidade nos compele a pensar com prudência, racionalidade e compromissos com gerações futuras. O pesquisador do CNPq, especialista em desertificação, professor da UFCG, professor Marx Prestes, afirma que em sua totalidade essa situação de gravidade é resultado da ação antrópica. Diz mais: a organização social a que foi e mantém-se submetida o semiárido brasileiro e em especial o paraibano poderá levar a, no máximo 40 anos, a condição de deserto. Pesquisadores de diversas áreas e instituições apontam que, em média, os solos do semiárido detêm hoje apenas 60% da fertilidade de 50 anos atrás, antes das políticas públicas desenvolvidas naquelas áreas pela Ditadura Militar, como “modernização”, para não dizer destruição do semi-árido. Ou seja, a “modernização” a que foi submetido o nosso sertão, empobreceu populações, expulsou gente e degenerou nossa natureza. Por isso as políticas públicas pensadas para essa região precisam ser noutra direção, noutro sentido. No sentido da promoção humana e da recuperação ambiental.
No semi-árido paraibano, a experiência recente e a análise apurada de alguns aspectos do que vimos e estudamos nos anima bastante. Nessa direção, indicamos a seguir algumas idéias/princípios que, em nossa visão, são fundamentais às futuras políticas públicas a serem desenvolvidas para o semiárido. Essas requerem apenas vontade política e um pouco de coragem de enfrentar oligarquias e mercenários da miséria alheia que ao longo dos anos se locupletam em nossos sertões. A rigor, sequer necessitaria de um rompimento abrupto com a ordem vigente, embora não deixe de ser o horizonte inevitável.
Precisa-se compreender o semiárido como uma região com especificidades, algumas muito positivas, outras nem tanto.
Salientamos como questão precípua que, qualquer política pública a ser desenvolvida no semiárido paraibano deve partir da experiência real existente, do acúmulo popular histórico e do conhecimento popular sobre a região e, sobretudo, das organizações populares atuantes nos nossos sertões; de forma que se pratique uma democracia viva, ativa e participativa.
É fundamental assegurar a participação organizada das classes trabalhadoras sertanejas, dos produtores diretos, camponeses, meeiros, arrendatários, etc., com os seus diversos instrumentos de organização ali presentes há várias décadas sem serem ouvidos ou sem acesso à participação em fóruns de decisão. A partir desse princípio político basear-se em conhecimentos científicos, técnicas e tecnologias abundantes no semiárido para aplicar-se com o objetivo da promoção do desenvolvimento humano.
Nesse sentido apontamos, a seguir, alguns tópicos que consideramos importantes a serem considerados quando de um planejamento de políticas públicas para o semiárido. Apresentamos sugestões estritamente para os pequenos produtores.

1. A base de qualquer política pública para o semiárido é a reforma agrária que democratize o acesso a terra e a água.
2. O apoio irrestrito aos programas de educação, saúde e assistência técnica desenvolvidos pelos movimentos sociais do campo nos seus assentamentos e para os pequenos agricultores.
3. Garantir a aquisição da produção agrícola advinda do campesinato, assentado ou não, a preços vantajosos que compensem a atividade econômica no campo.
4. Integrar as diversas bacias hídricas e mananciais que cortam o imenso semiárido, no sentido de assegurar aos sítios urbanos de tamanho pequeno, médio ou grande o pleno abastecimento de água.
5. Desenvolver política de educação contextualizada a realidade do semiárido para desenvolver uma geração integrada a realidade daquela área.
6. O semiárido brasileiro apresenta grande diversidade climática, de relevo e solos, de vegetação, etc. Dessa forma é muito importante seguir o zoneamento produtivo já estruturado pelas diversas agências e organizações que atuam nessa área para nortear possíveis arranjos produtivos sejam nas áreas rurais ou urbanas;
7. No semiárido é fundamental a estocagem de água e alimentos. De forma que se faça com um caráter distributivo, socializante, não concentrador – excludente. Neste sentido é basilar o uso de técnicas de armazenagem de água e alimentos acessíveis às populações mais pobres, otimizando os benefícios das chuvas, mesmo que seja num período muito curto de “inverno”, para se estocar água e alimentos (para humanos e/ou animais) para seu uso no período de estiagem.
• As técnicas e tecnologias de estoque de água e alimento disponíveis e acessíveis hoje são muitas e de conhecimento bastante difundido. Abaixo citamos algumas, a ser aplicada de acordo com as condições geomorfológica do lugar.
• Para estocar água:
1. Cisternas de placas;
2. Barragens subterrâneas com poços;
3. Cisternas Calçadões;
4. Tanques de pedras;
5. Poços artesianos – Dessalinizadores
6. Mandalla
7. Outras técnicas disponíveis a partir de instituições como a ASA – Articulação do Semi-árido
• Para estocar alimentos
1. Silagem;
2. Fenagem.

Obs – Existem inúmeras técnicas desenvolvidas e experimentadas por órgãos públicos como EMBRAPA, EMATER, EMEPA, além de inúmeras técnicas desenvolvidas por ONG’s. No entanto, caso não haja um trabalho político de motivação, organização social e conscientização, não se consegue estruturar alterações de rumo social.

8. Políticas publicas de fortalecimento da Agricultura, valorizando as nossa tradicionais e boas sementes crioulas, adaptadas ao nosso clima e ao nosso regime pluviométrico. Estas podem e devem ser recuperadas e difundidas em áreas do nosso semi-árido que os estudos atuais apontam como propício para tal. Nesse caso em consonância com as demarcações populares e cientificas, apontadas pelos especialistas.
9. Na grande área do semiárido propício à pecuária deve-se estimular a criação de pequeno porte (Caprinocultura de leite e de corte, ovinocultura de corte; avicultura – galinha caipira, codorna, emas; apicultura – abelhas nativas, sem ferrões, devem ser priorizadas visto sua superioridade na qualidade do mel, sua docilidade e, portanto, facilidade no manejo; além de seu valor comercial. Cometemos o crime de praticamente extinguir as abelhas nativas de nossa flora caatingueira, um dos maiores patrimônios naturais do Planeta. Urge trabalhar e estimular sua recuperação e difusão.
10. Política para assentamentos rurais no semi-árido. Um dos problemas cruciais dos nossos assentamentos rurais no semi-árido é que os assentados são “jogados” na terra sem lhes darem as condições necessárias para viabilizar a posse dessas terras. Dessa forma, muito deles se utilizam da madeira existente nessas áreas desapropriadas para dela retirarem seu sustento, virando também um problema ambiental. Por isso é necessário nos assentamentos criar agroindústria, compatível com as potencialidades de cada lugar, além disso, essas agroindústrias precisam ter um nicho de mercado assegurado pelo estado. Dessa forma pode-se fechar um ciclo virtuoso, onde de um lado se produz gerando rendas de forma distributiva e na outra ponta se abastece comunidades, escolas, ou outras instituições, suprindo necessidades.
11. Para a pequena produção difusa do semi-árido. As políticas públicas devem estimular a organização social, em Cooperativas que tenham caráter integracionista e também estimular a criação de agroindústrias com nichos de mercado assegurados pelo Governo.

De novo Marx

Marx morreu em 1883. Dizem que em seu sepultamento havia poucas pessoas, dado o pouco prestígio que o mesmo gozava nos dias de sua morte. A obra que ele deixou, porém, o imortalizou. É tema permanente de debates acadêmicos e políticos acalorados. Em determinadas épocas mais presentes, noutras aparentemente ausente.
Em minha jovem existência, de meados do século XX ao início do XXI, já presenciei a tentativa de matarem Marx e o seu renascimento duas vezes. Atualmente, sob o cataclismo que atinge a economia mundial, o barbudo voltou a ter suas obras entre as mais citadas e lidas em todo o Planeta.
Luiz Carlos Prestes, com quem tive a grande honra de conviver e aprender bastante, nos dizia que, quando absorvemos uma verdade científica não há tortura ou derrota temporária que nos demova dessa certeza, dessa verdade. Daí a convicção política dos revolucionários marxistas.
Os ensinamentos e a firmeza de Prestes certamente podem inspirar e fortalecer mentes e ações dos que lutam por uma nova ordem social, cultural e moral do mundo. Inspiram a quem luta pelo socialismo. A derrota da experiência socialista soviética levou consigo muitos “marxistas de ocasião” a mudarem de lado. Aqueles que na reconquista da democracia brasileira nos anos 80, período em que assistimos o ascenso dos movimentos sociais e da luta política no Brasil aderiram a uma visão marxista por ser a onda do momento, renegaram a ideologia e os ideais do socialismo na primeira derrota, ao primeiro grito dos que defendem a ordem capitalista.
De fato, aquele momento político do Brasil elevou a cultura política das massas. No entanto, é forçoso reconhecer: não houve, na mesma intensidade, o aprofundamento da compreensão do capitalismo. Os estudos da obra de Marx, base fundamental para isso, não foram desenvolvidos no Brasil em condições de formar um número de quadros políticos e/ou acadêmicos com o conhecimento científico do sistema, capaz de decifrar suas contradições e compreendê-lo em sua totalidade. Dessa forma, não se formou a “verdade científica” e, em razão disso, não se adquiriu aquela convicção política a que se referia Prestes. Sob a primeira tempestade, muitos abandonaram o barco. Não é a primeira vez na história, nem será a última. Diria mesmo que já é uma tradição da esquerda no mundo, cantada em verso e prosa pelos grandes compositores. Como diz Belchior na letra brilhante de “Como os nossos pais”, do seu LP Alucinação de 1976: “Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude. Tá em casa guardado por Deus, contando vil metal...”.
As rasas convicções dos anos 80, em muitos casos se tornaram oportunismos desvairados nos anos recentes. Muitos que fizeram suas carreiras acadêmicas ou políticas se aproveitaram desse passado “esquerdista”, às vezes nem tão esquerdista assim, para angariar cargos, prestígio e posições com governos e governantes da hora. Isso também é antigo na história da esquerda.
Nos anos 90 do século passado e no alvorecer do século XXI é o que vemos. Na proporção que aumentou a contagem do Vil Metal, diminuiu a consciência política e procurou-se justificar e até bem-dizer o capitalismo. Na realidade se construiu um discurso, que a partir dos anos 90 se tornou hegemônico. Substituiu-se, obedecendo aos paradigmas mais reacionários do sistema, o termo capitalismo pelo termo democracia. Como se fossem a mesma coisa. Sob esse discurso hegemônico, os comunistas e/ou defensores do socialismo, que lutam por democracia para as massas trabalhadoras, que deram vidas por liberdade viraram uma espécie de entulho autoritário, fora da ordem.
Diziam e dizem os defensores da ordem, que vivemos numa época de fim das ideologias. Dessa forma agrupam os comunistas/marxistas entre os que têm discurso apenas ideológico.
E o mundo real, objetivo? Está em paz? Sem contradições de classes? É possível enxergar o mundo assim? Onde estão o mundo e a democracia acima das classes?
Acho que o mundo que os marxistas vivem é outro. Prenhe, carregado de antagonismos, de exploração humana, de extração de mais-valia, de acumulação capitalista. De uma democracia carregada de interesses de classes e a serviço dos dominantes. Com pobres sendo explorados e ricos opulentos acumulando riquezas, cada vez maiores. Há quem não enxergue esse mundo....
O discurso pela democracia como sinônimo do capitalismo prescindia de refundar uma série de conceitos e eliminar outros. Essa ofensiva necessitaria, logicamente, matar Marx mais uma vez. Para abolir Marx e suas idéias inconvenientes seria imprescindível acabar com os conceitos de luta de classes, mais-valia, exploração do homem pelo homem.
Construir o discurso foi fácil. Negar a realidade, porém, é impossível.
Depois de duas décadas se atacando violentamente os conceitos marxistas da história, a população mundial se depara com contradições incompreensíveis sob essas múltiplas formas de explicar o mundo e sua história. Perguntas básicas não têm respostas sob os paradigmas liberais burgueses. O mais leigo e alienado vivente é capaz de perceber as contradições do sistema capitalista, e diria mesmo, sua incapacidade de solucionar-se a si mesmo.
Ressurge com força, a necessidade de estudos do marxismo e dos marxistas em geral. Marx está mais atual do que nunca. Seus conceitos são imprescindíveis. Felizmente há uma multidão de pessoas mundo afora fazendo isso.
No meio universitário dos Estados Unidos da América e da Inglaterra se formam grupos de estudos e pesquisas do pensamento de Marx. Na Alemanha, França e na Europa em geral a mesma coisa. Na Índia há vários grupos de jovens marxistas, assim como fortes movimentos políticos oriundos de sua inspiração. A América Latina saiu na frente nesse processo.
É lógico e saudável que os estudiosos do pensamento de Marx e os militantes da causa socialista, seguindo o próprio Marx devem renovar métodos, atualizar conceitos, rever práticas, no sentido de aprimorar o princípio básico do pensamento marxista: a emancipação humana.
A renovação do materialismo histórico, a que se propôs Ellen Wood, em seu já clássico “Democracia contra Capitalismo” não será tarefa fácil, que se encerre em apenas uma obra. Trata-se de tarefa permanente dos comprometidos com a transformação do mundo. Segue a lógica e o ritmo da própria vida. O método de Marx é o princípio, o instrumento principal. Mas há muitos elementos a acrescentar, a atualizar nessa obra. O esforço precisa ser coletivo e se utilizar do princípio do contraditório e, sobretudo, da análise objetiva da história e da realidade. Tarefa que requer honestidade intelectual, e o reconhecimento de fraquezas e de derrotas. As vezes caras para a esquerda marxista.
A intuição me aponta alguns caminhos que a experiência e um pouco de estudos me ensinaram. O conhecimento cientifico, o domínio do instrumental teórico e toda sorte de saberes históricos - culturais não colaborarão para a luta anticapitalista e a construção do socialismo se não estiver estreitamente ligado às lutas populares, às lutas dos trabalhadores por sua emancipação. Radicalizando diria: não há marxismo acadêmico. A luta de massas é um nutriente decisivo da formação teórica marxista.
Milton Santos se dizia um marxista marxisisante. Ou seja, em permanente atualização, mas sob seus princípios e ensinamentos, básicos para compreender o mundo em qualquer período histórico e circunstância social, política e cultural. Como dizia ele, por vezes insuficiente, mas básico para desenvolver a compreensão necessária.
Fidel Castro, a quem tenho lido bastante insiste em nos dizer que a chamada crise econômica atual, de fato, não é apenas uma crise econômico-financeira. Esse é um aspecto transitório, embora insolúvel sob o capitalismo. Na essência, nos ensina Fidel, trata-se de uma crise estrutural do sistema capitalista, pois é, sobretudo, cultural, ética, ambiental, social e política. Fidel nos recomenda, mais uma vez, estudar Marx para nos ajudar a compreender o momento atual do sistema, nos advertindo que é preciso partir de Marx, mas não interpretá-lo de forma abstrata. Deslocado no tempo e no espaço. Para ele é possível, mesmo imprescindível, se utilizar dos conceitos teóricos de Marx e ao mesmo tempo dos ensinamentos de Martí, Bolívar e outros mártires da emancipação latino-americana. Em Cuba, Marx e Martí se fundem como inspiração da resistência e luta pelo socialismo.
Nessa direção, os teóricos do MAS (Movimento Ao Socialismo) desse grande índio Evo Morales, consideram perfeitamente plausível a unidade entre os ensinamentos de Marx com os valores e ensinamentos de povos ancestrais da América Latina. Esse é o tempero novo do Socialismo do Século XXI em Nuestra América. O marxismo contribuindo para a emancipação dos nossos nativos, numa amalgama de saberes científicos e populares.
Por esses dias li um livro que me impressionou bastante. “A ecologia de Marx – materialismo e natureza.” De John Bellamy Foster, esse talentoso historiador/filósofo estadunidense. Ele evidencia a importância de Marx, ou melhor, da concepção filosófica de Marx para a compreensão da problemática ambiental. Bellamy Foster faz um retrospecto a Epicuro e a Hegel e demonstra a construção das teses de Marx na relação homem – natureza. Nessa direção mostra a indissociabilidade entre a emancipação humana e a emancipação da natureza, visto ser o homem também e, sobretudo, natureza. Há elementos do pensamento indigenista também nessa direção.
Certamente o pensamento de Marx, explicitado por Bellamy Foster, contribuirá decisivamente aos socialistas do século XXI. A quem luta pela emancipação humana, a quem luta pela sobrevivência harmônica no Planeta Terra. De novo precisamos de Marx.
Obrigado Marx.

Jonas.