terça-feira, 4 de maio de 2010

De novo Marx

Marx morreu em 1883. Dizem que em seu sepultamento havia poucas pessoas, dado o pouco prestígio que o mesmo gozava nos dias de sua morte. A obra que ele deixou, porém, o imortalizou. É tema permanente de debates acadêmicos e políticos acalorados. Em determinadas épocas mais presentes, noutras aparentemente ausente.
Em minha jovem existência, de meados do século XX ao início do XXI, já presenciei a tentativa de matarem Marx e o seu renascimento duas vezes. Atualmente, sob o cataclismo que atinge a economia mundial, o barbudo voltou a ter suas obras entre as mais citadas e lidas em todo o Planeta.
Luiz Carlos Prestes, com quem tive a grande honra de conviver e aprender bastante, nos dizia que, quando absorvemos uma verdade científica não há tortura ou derrota temporária que nos demova dessa certeza, dessa verdade. Daí a convicção política dos revolucionários marxistas.
Os ensinamentos e a firmeza de Prestes certamente podem inspirar e fortalecer mentes e ações dos que lutam por uma nova ordem social, cultural e moral do mundo. Inspiram a quem luta pelo socialismo. A derrota da experiência socialista soviética levou consigo muitos “marxistas de ocasião” a mudarem de lado. Aqueles que na reconquista da democracia brasileira nos anos 80, período em que assistimos o ascenso dos movimentos sociais e da luta política no Brasil aderiram a uma visão marxista por ser a onda do momento, renegaram a ideologia e os ideais do socialismo na primeira derrota, ao primeiro grito dos que defendem a ordem capitalista.
De fato, aquele momento político do Brasil elevou a cultura política das massas. No entanto, é forçoso reconhecer: não houve, na mesma intensidade, o aprofundamento da compreensão do capitalismo. Os estudos da obra de Marx, base fundamental para isso, não foram desenvolvidos no Brasil em condições de formar um número de quadros políticos e/ou acadêmicos com o conhecimento científico do sistema, capaz de decifrar suas contradições e compreendê-lo em sua totalidade. Dessa forma, não se formou a “verdade científica” e, em razão disso, não se adquiriu aquela convicção política a que se referia Prestes. Sob a primeira tempestade, muitos abandonaram o barco. Não é a primeira vez na história, nem será a última. Diria mesmo que já é uma tradição da esquerda no mundo, cantada em verso e prosa pelos grandes compositores. Como diz Belchior na letra brilhante de “Como os nossos pais”, do seu LP Alucinação de 1976: “Hoje eu sei que quem me deu a idéia de uma nova consciência e juventude. Tá em casa guardado por Deus, contando vil metal...”.
As rasas convicções dos anos 80, em muitos casos se tornaram oportunismos desvairados nos anos recentes. Muitos que fizeram suas carreiras acadêmicas ou políticas se aproveitaram desse passado “esquerdista”, às vezes nem tão esquerdista assim, para angariar cargos, prestígio e posições com governos e governantes da hora. Isso também é antigo na história da esquerda.
Nos anos 90 do século passado e no alvorecer do século XXI é o que vemos. Na proporção que aumentou a contagem do Vil Metal, diminuiu a consciência política e procurou-se justificar e até bem-dizer o capitalismo. Na realidade se construiu um discurso, que a partir dos anos 90 se tornou hegemônico. Substituiu-se, obedecendo aos paradigmas mais reacionários do sistema, o termo capitalismo pelo termo democracia. Como se fossem a mesma coisa. Sob esse discurso hegemônico, os comunistas e/ou defensores do socialismo, que lutam por democracia para as massas trabalhadoras, que deram vidas por liberdade viraram uma espécie de entulho autoritário, fora da ordem.
Diziam e dizem os defensores da ordem, que vivemos numa época de fim das ideologias. Dessa forma agrupam os comunistas/marxistas entre os que têm discurso apenas ideológico.
E o mundo real, objetivo? Está em paz? Sem contradições de classes? É possível enxergar o mundo assim? Onde estão o mundo e a democracia acima das classes?
Acho que o mundo que os marxistas vivem é outro. Prenhe, carregado de antagonismos, de exploração humana, de extração de mais-valia, de acumulação capitalista. De uma democracia carregada de interesses de classes e a serviço dos dominantes. Com pobres sendo explorados e ricos opulentos acumulando riquezas, cada vez maiores. Há quem não enxergue esse mundo....
O discurso pela democracia como sinônimo do capitalismo prescindia de refundar uma série de conceitos e eliminar outros. Essa ofensiva necessitaria, logicamente, matar Marx mais uma vez. Para abolir Marx e suas idéias inconvenientes seria imprescindível acabar com os conceitos de luta de classes, mais-valia, exploração do homem pelo homem.
Construir o discurso foi fácil. Negar a realidade, porém, é impossível.
Depois de duas décadas se atacando violentamente os conceitos marxistas da história, a população mundial se depara com contradições incompreensíveis sob essas múltiplas formas de explicar o mundo e sua história. Perguntas básicas não têm respostas sob os paradigmas liberais burgueses. O mais leigo e alienado vivente é capaz de perceber as contradições do sistema capitalista, e diria mesmo, sua incapacidade de solucionar-se a si mesmo.
Ressurge com força, a necessidade de estudos do marxismo e dos marxistas em geral. Marx está mais atual do que nunca. Seus conceitos são imprescindíveis. Felizmente há uma multidão de pessoas mundo afora fazendo isso.
No meio universitário dos Estados Unidos da América e da Inglaterra se formam grupos de estudos e pesquisas do pensamento de Marx. Na Alemanha, França e na Europa em geral a mesma coisa. Na Índia há vários grupos de jovens marxistas, assim como fortes movimentos políticos oriundos de sua inspiração. A América Latina saiu na frente nesse processo.
É lógico e saudável que os estudiosos do pensamento de Marx e os militantes da causa socialista, seguindo o próprio Marx devem renovar métodos, atualizar conceitos, rever práticas, no sentido de aprimorar o princípio básico do pensamento marxista: a emancipação humana.
A renovação do materialismo histórico, a que se propôs Ellen Wood, em seu já clássico “Democracia contra Capitalismo” não será tarefa fácil, que se encerre em apenas uma obra. Trata-se de tarefa permanente dos comprometidos com a transformação do mundo. Segue a lógica e o ritmo da própria vida. O método de Marx é o princípio, o instrumento principal. Mas há muitos elementos a acrescentar, a atualizar nessa obra. O esforço precisa ser coletivo e se utilizar do princípio do contraditório e, sobretudo, da análise objetiva da história e da realidade. Tarefa que requer honestidade intelectual, e o reconhecimento de fraquezas e de derrotas. As vezes caras para a esquerda marxista.
A intuição me aponta alguns caminhos que a experiência e um pouco de estudos me ensinaram. O conhecimento cientifico, o domínio do instrumental teórico e toda sorte de saberes históricos - culturais não colaborarão para a luta anticapitalista e a construção do socialismo se não estiver estreitamente ligado às lutas populares, às lutas dos trabalhadores por sua emancipação. Radicalizando diria: não há marxismo acadêmico. A luta de massas é um nutriente decisivo da formação teórica marxista.
Milton Santos se dizia um marxista marxisisante. Ou seja, em permanente atualização, mas sob seus princípios e ensinamentos, básicos para compreender o mundo em qualquer período histórico e circunstância social, política e cultural. Como dizia ele, por vezes insuficiente, mas básico para desenvolver a compreensão necessária.
Fidel Castro, a quem tenho lido bastante insiste em nos dizer que a chamada crise econômica atual, de fato, não é apenas uma crise econômico-financeira. Esse é um aspecto transitório, embora insolúvel sob o capitalismo. Na essência, nos ensina Fidel, trata-se de uma crise estrutural do sistema capitalista, pois é, sobretudo, cultural, ética, ambiental, social e política. Fidel nos recomenda, mais uma vez, estudar Marx para nos ajudar a compreender o momento atual do sistema, nos advertindo que é preciso partir de Marx, mas não interpretá-lo de forma abstrata. Deslocado no tempo e no espaço. Para ele é possível, mesmo imprescindível, se utilizar dos conceitos teóricos de Marx e ao mesmo tempo dos ensinamentos de Martí, Bolívar e outros mártires da emancipação latino-americana. Em Cuba, Marx e Martí se fundem como inspiração da resistência e luta pelo socialismo.
Nessa direção, os teóricos do MAS (Movimento Ao Socialismo) desse grande índio Evo Morales, consideram perfeitamente plausível a unidade entre os ensinamentos de Marx com os valores e ensinamentos de povos ancestrais da América Latina. Esse é o tempero novo do Socialismo do Século XXI em Nuestra América. O marxismo contribuindo para a emancipação dos nossos nativos, numa amalgama de saberes científicos e populares.
Por esses dias li um livro que me impressionou bastante. “A ecologia de Marx – materialismo e natureza.” De John Bellamy Foster, esse talentoso historiador/filósofo estadunidense. Ele evidencia a importância de Marx, ou melhor, da concepção filosófica de Marx para a compreensão da problemática ambiental. Bellamy Foster faz um retrospecto a Epicuro e a Hegel e demonstra a construção das teses de Marx na relação homem – natureza. Nessa direção mostra a indissociabilidade entre a emancipação humana e a emancipação da natureza, visto ser o homem também e, sobretudo, natureza. Há elementos do pensamento indigenista também nessa direção.
Certamente o pensamento de Marx, explicitado por Bellamy Foster, contribuirá decisivamente aos socialistas do século XXI. A quem luta pela emancipação humana, a quem luta pela sobrevivência harmônica no Planeta Terra. De novo precisamos de Marx.
Obrigado Marx.

Jonas.

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